sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Hillsong, a igreja ‘hipster’ que atraiu Justin Bieber e busca sede em São Paulo

De jeans rasgados na altura dos joelhos, jaqueta de couro justa ao corpo e corte de cabelo "undercut" - adotado por Brad Pitt e David Beckham -, o pastor Chris Mendez discursou em São Paulo para centenas de fiéis. Todos pareciam ter grande interesse em fazer parte de uma das igrejas evangélicas de maior ressonância - e descoladas - do momento: a australiana Hillsong Church.
A Hillsong é uma igreja presente em 15 países. A filial brasileira está programada para ser inaugurada em setembro e é a segunda unidade da entidade na América do Sul - no fim de 2015, ela passou a operar em Buenos Aires, na Argentina.
"Queremos trabalhar juntos para conquistar esta cidade, este país e este continente para a glória de Deus, amém!", disse na ocasião o pastor Mendez, que é filho de argentinos. Ele é o responsável pela implementação da igreja em território sul-americano.
"Ainda estou buscando o lugar ideal para a Hillsong São Paulo; por causa do nosso estilo como igreja, provavelmente será um teatro com palco, telões e jogo de luzes", conta à BBC Brasil o pastor, que até agora já visitou mais de 25 teatros na capital paulista.

Culto pop

A caça pelo lugar perfeito, que suporte uma performance digna de grandes astros da música, não é aleatória já que os cultos têm formato de show de pop/rock. A música é a principal vitrine da igreja.
Fenômeno gospel mundial, a Hillsong também é um selo musical altamente lucrativo e de alcance mundial. As canções gravadas por suas quatro bandas (Hillsong Worship, Hillsong United, Young & Free e Hillsong Kids) já ultrapassaram a marca de 16 milhões de álbuns vendidos.
Em 2015, a United recebeu o Billboard Music Awards de melhor artista cristão e se prepara para lançar o documentário Hillsong - Let Hope Rise, dirigido por Michael John Warren, que já documentou o rapper Jay-Z e a cantora Nicki Minaj.
Os dois artistas, aliás, poderiam muito bem ser parte do conglomerado. Nas filiais espalhadas pelo mundo, é comum encontrar personalidades famosas, como a modelo Kendall Jenner, a cantora e atriz Vanessa Hudgens e o músico Nick Jonas. Mas ninguém elevou tanto a popularidade da Hillsong nos últimos meses quanto o cantor pop Justin Bieber.
"Quero conhecer Jesus", pediu o ídolo aos prantos ao amigo Carl Lentz, o pastor de braços tatuados que anda por Nova York ostentando grifes de luxo, como Saint Laurent. Momentos depois, Bieber foi batizado, na banheira do jogador de basquete Tyson Chandler.

Chave do sucesso

Mas o que atrai tanta gente, entre pessoas comuns e famosas, para os performáticos cultos da igreja todos os fins de semana?
O pastor Mendez diz que é "o amor por Deus e pelas pessoas". Já para o professor Ricardo Mariano, pós-doutor em Sociologia da Religião pela Universidade de São Paulo (USP), a Hillsong percebeu que, nos tempos atuais, o entretenimento é a chave para o sucesso.

"O entretenimento é a isca para atrair o público mais jovem que não quer ficar sentado ouvindo sermão de pastor, e a Hillsong faz isso muito bem", diz.
"As produções dos shows são feitas para envolver o público e levá-lo a um clima de contemplação e êxtase", analisa Marli Batista Ávila, coordenadora do curso de Produção Musical da Universidade Anhembi Morumbi, que destaca os recursos visuais, da tecnologia aos figurinos estilo "urban chic" dos vocalistas.
A combinação de superproduções musicais, letras religiosas intimistas e a energia de clube noturno atinge em cheio os mais jovens.
Um relatório da própria igreja distribui seus fiéis por faixa etária. De acordo com o texto, a "geração Z" (de 5 a 20 anos) e a "geração Y" (de 20 a 35 anos) compreendem juntos 70% dos membros na sede.
O carioca Rafael Bitencourt, de 32 anos, fez parte desse último grupo há três anos. Como a maioria, ele conheceu a Hillsong através da música e decidiu estudar na Hillsong College, a faculdade da igreja em Sydney, na Austrália, que oferece cursos de formação de pastores, música, dança, produção e até TV e mídia.
"Estudei liderança e agora voltei ao Brasil para ajudar na Hillsong São Paulo", conta.
Para Mariano, em São Paulo, a igreja australiana deve cavar um espaço entre os jovens de classe média, concorrendo com igrejas como Renascer em Cristo, Bola de Neve Church e Sara Nossa Terra.

Fiéis gays

Todas essas, incluindo a Hillsong, são pentecostais, o que quer dizer que acreditam em milagres e batismos operados pelo Espírito Santo, e interpretam a Bíblia de forma semelhante.
"Apesar da atitude ousada no plano estético, a Hillsong mantém o mesmo discurso conservador de todas as outras", observa Mariano, da USP.
Em uma recente polêmica envolvendo fiéis gays, a igreja mostrou que mantém a visão "tradicional" evangélica de aceitar apenas a união homens e mulheres, mas que "aceita" pessoas de todas as orientações sexuais.
A polêmica veio à tona quando grupos evangélicos americanos denunciaram que um casal gay teria liderado um culto da igreja em Nova York.
Diante da polêmica, Brian Houston, o pastor fundador da igreja, publicou um longo texto intitulado "se eu amo os gays?", em que explica que fiéis LGBT's são bem-vindos na igreja, porém não podem ter cargos de liderança.
Questionado sobre sua posição em relação à homossexualidade, o pastor Mendez diz que o trabalho da igreja é aceitar a todos e esperar que Deus transforme a vida das pessoas.
"Quando Jesus estava na terra, ele não buscava os perfeitos, mas andava com prostitutas e pecadores", ensina, acrescentando que o casal ainda faz parte da igreja, mas não mais do coro.
As semelhanças com as igrejas pentecostais brasileiras passam também pela defesa da castidade até o casamento e pela teologia da prosperidade, com direito ao livro You Need More Money (Você precisa de mais dinheiro, em tradução literal), escrito pelo pastor Brian Houston.

Pedra no sapato

Pelo estilo de vida ostensivo, Houston e sua esposa, Bobbie, são criticados com frequência pela mídia australiana, assim como as altas quantias arrecadadas pela igreja. Segundo o jornal Sydney Morning Herald, a igreja arrecadou, em 2014, cerca de 80 milhões de dólares australianos (R$ 228 milhões) na Austrália e outros 100 milhões (R$ 285 milhões) no resto do mundo - tudo livre de impostos.
Tanya Levin, autora de People in Glass Houses (Pessoas em Casas de Vidro, em tradução livre), em que relata como viu a pequena comunidade de um subúrbio de Sydney se tornar a marca global que é hoje, define a Hillsong como um lugar cheio de "medo e culpa" empenhado em construir um império. À BBC Brasil, ela disse estar "preocupada" com a influência da marca na América do Sul.
"É uma igreja que promete riqueza e as pessoas podem dar tudo o que têm na esperança de serem abençoadas por Deus", comenta. A um site australiano, o pastor Brian disse que o livro de Levin não tem credibilidade e que ela quer apenas lucrar com o sucesso da Hillsong.
Enquanto as polêmicas pipocam, o pastor Mendez, que há 10 anos sonha em trazer a poderosa marca para cá, visita regularmente São Paulo e se mostra animado com a expansão. "Eu creio que milhares de pessoas tomarão a decisão de fazer da Hillsong sua casa ao encontrar Jesus... Nós amamos a América do Sul".


segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Correspondência revela relação ‘intensa’ de João Paulo 2º com filósofa

A BBC teve acesso a parte da correspondência trocada entre o papa e a filósofa polonesa naturalizada americana Anna-Teresa Tymieniecka, que foram mantidas em segredo por anos pela Biblioteca Nacional da Polônia.

Os documentos revelam uma face pouco conhecida do pontífice, que morreu em 2005.
Não há sugestão de que o papa tenha quebrado seu celibato.
Quando ambos se conheceram, em 1973, o então cardeal Karol Wojtyla era arcebispo de Cracóvia. Como ele, Tymieniecka era polonesa e tinha vivido a ocupação nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Após a guerra ela foi estudar no exterior e veio a desenvolver carreira como filósofa nos Estados Unidos, onde se casou e teve três filhos.
Tymieniecka contatou o futuro papa sobre um livro de filosofia que ele havia escrito. Ela então viajou dos EUA até a Polônia para discutir o trabalho.
A troca de cartas começou pouco depois. As cartas do cardeal eram formais no começo, mas se tornaram mais íntimas à medida que a amizade crescia.
A dupla decidiu trabalhar em uma versão ampliada do livro do cardeal The Acting Person (Pessoa em ação, em tradução livre). Eles se encontraram por muitas vezes - às vezes com a secretária de Wojtyla presente, às vezes a sós - e se corresponderam frequentemente.
Em 1974, ele escreveu que estava relendo quatro cartas de Tymienkiecka escritas em um mês porque eram "significativas e profundamente pessoais".
No verão de 1976, o cardeal Wojtyla liderou uma delegação de bispos poloneses em um grande encontro católico nos EUA, e Anna-Teresa Tymieniecka o convidou a ficar na casa de campo da família na pequena cidade de Pomfret, em Vermont. Era o tipo de vida na natureza que o papa adorava, e as fotos feitas à época mostram o futuro papa relaxado e descontraído.
Ela aparentemente revelou sentimentos fortes pelo papa porque as cartas escritas por Wojtyla logo depois sugerem um homem lutando para definir em termos cristãos a amizade que mantinham.

Em setembro de 1976, ele escreve: "Minha querida Teresa, recebi todas as três cartas. Você escreve sobre estar arrasada, mas não consegui encontrar resposta a essas palavras."
Ele a descreve como um "presente de Deus".
"Aqui temos uma das grandes figuras públicas transcendentais do século 20, o chefe da Igreja Católica, em uma relação intensa com uma mulher casada", diz Eamon Duffy, professor de história do cristianismo na Universidade de Cambridge.
A BBC não teve acesso às cartas escritas por Tymienkiecka. Acredita-se que cópias tenham sido incluídas no arquivo da filósofa que foi vendido à Biblioteca Nacional da Polônia em 2008, seis anos após a morte dela. Mas elas não estavam lá quando a BBC consultou o arquivo. A biblioteca não confirmou a posse das cartas de Tymienkiecka.
Marsha Malinowski, uma comerciante de manuscritos raros que negociou a venda das cartas, diz acreditar que Tymienkiecka tenha se apaixonado pelo cardeal Wojtyla logo no começo do relacionamento entre os dois. "Acho que isso se reflete completamente na correspondência", afirmou à BBC.
As cartas revelam que o cardeal deu a Tymienkiecka um de seus objetos mais preciosos, um escapulário - um colar de devoção com dois quadrados pequenos, geralmente de pano.
Em uma carta de 10 de setembro de 1976, ele escreveu: "No ano passado já estava buscando uma resposta a essas palavras: 'Eu pertenço a você', e finalmente, antes de partir da Polônia, encontrei uma maneira, um escapulário. A dimensão na qual aceito e sinto você em todo lugar em todos os tipos de situações, quando você está perto e quando está distante."
Após tornar-se papa, ele escreveu: "Estou escrevendo após o evento, para que a correspondência entre nós continue. Prometo que me lembrarei de tudo nesse novo estágio da minha jornada".
O cardeal Wojtyla tinha várias amigas, entre elas Wanda Poltawska, psiquiatra com quem trocou cartas por décadas.
Mas suas mensagens a Tymienkiecka às vezes são muito mais intensas, e em alguns pontos lutavam com o sentido da relação que mantinham.

Canonização

João Paulo 2º foi diagnosticado com mal de Parkinson no começo dos anos 1990, e passou a ficar cada vez mais isolado no Vaticano. Anna-Teresa Tymieniecka o visitava com frequência, e mandava flores e fotos de sua casa em Pomfret.
Após a última visita dele à Polônia, ele escreveu: "Nosso lar comum; tantos lugares onde nos encontramos, onde tivemos conversas tão importantes para nós, onde vivenciamos a beleza da presença de Deus".
O marido de Tymienkiecka, Hendrik Houthakker, era um conhecido economista de Harvard. Após a queda do comunismo, ele aconselhou João Paulo 2º sobre a economia dos países do leste europeu, e o papa o homenageou pelos serviços prestados.
O papa João Paulo 2º morreu em 2005, depois de um pontificado de quase 27 anos. Em 2014 ele foi declarado santo.
O processo de canonização costuma ser longo e custoso, mas o de Wojtyla levou apenas nove anos.
Normalmente o Vaticano requisita todos os escritos públicos e privados quando avalia um candidato a santo, mas a BBC não conseguiu confirmar se a correspondência com Tymieniecka foi examinada.
A Congregação para as Causas dos Santos, órgão do Vaticano responsável pelas canonizações, disse que cabe aos fieis católicos decidir sobre o envio de documentos úteis aos processos.
"Todas nossas tarefas foram cumpridas", informou o órgão, em nota. "Todos os documentos privados enviados por fieis e documentos localizados em importantes arquivos foram estudados."
Para a Biblioteca Nacional da Polônia, não foi uma relação única. A instituição diz que foi apenas uma entre várias amizades próximas que o papa teve durante sua vida.