Afinal, o que Dilma pensa para o governo
Dilma Rousseff chega ao poder como um enigma. Deve a meteórica carreira política ao presidente Lula, por quem demonstra uma admiração próxima do fervor religioso: — Ele é o grande mestre que nos ensinou o caminho – é assim que se refere ao seu patrono na política desde que assumiu o papel de candidata do Partido dos Trabalhadores. Suceder a Lula não é tarefa fácil. O êxito na batalha para eleger Dilma é eloquente sobre seu carisma e poder de influência na política. Ele a escolheu solitário, quando ela era a opção mais improvável até mesmo pelo absoluto anonimato. Há dois anos, Dilma aparecia com apenas 2% nas pesquisas do Instituto Datafolha. Na campanha, a sombra do criador contribuiu para tornar ainda mais opaca a nuvem de ideias da criatura. Dilma superou os adversários também na produção de programas de governo. Mas com resultado nulo: entre a manhã e a tarde de uma sexta-feira de agosto, por exemplo, ela assinou (“Apenas rubriquei”, disse) e registrou na Justiça Eleitoral dois programas de governo contraditórios nos fundamentos.
A recente polêmica sobre aborto é ilustrativa de suas opções por posições sobre as quais pairam entendimentos com mais de um sentido. – Abortar não é fácil para mulher alguma – disse há 17 meses. – Duvido que alguém se sinta confortável em fazer um aborto. Agora, isso não pode ser justificativa para que não haja a legalização. O aborto é uma questão de saúde pública. Há uma quantidade enorme de mulheres brasileiras que morrem porque tentam abortar em condições precárias.
Às vésperas da eleição, depois de uma reunião com líderes religiosos, afirmou: – Sou favorável à valorização da vida. E eu, pessoalmente, sou contra o aborto, que é uma violência contra a mulher.
Seus discursos dos últimos nove meses sugerem que o governo teria uma premissa econômica e lançaria pelo menos duas reformas “estruturantes”, como gosta de dizer.
- A premissa é a da preservação da estabilidade macroeconômica. Vamos manter o equilíbrio fiscal, o controle da inflação e a política de câmbio flutuante.
A primeira das reformas, anunciou, será no sistema político-partidário. Assim descreveu: – Vamos unir o melhor das nossas energias para fazer a reforma política. Quero dizer com todas as letras aos partidos e ao país: não dá mais para adiar essa reforma. Ela é uma necessidade vital para corrigir equívocos, vícios e distorções. Para dar eficácia ao voto do eleitor e credibilidade à representação parlamentar. Para dar transparência às instituições e garantir mecanismos reais de controle pelo cidadão da vida parlamentar. Para fortalecer os partidos, estimular o debate público e a participação popular.
Aparentemente, seria uma reforma ampla, geral e irrestrita, que poderia levar até à mudança no sistema de representação no Congresso. Mas a candidata sempre se conteve no limite da ambiguidade.
A outra reforma, segundo ela, será no sistema tributário: – Nossa estrutura tributária é caótica, apesar de áreas de excelência na administração, e, se não tivermos coragem de reconhecer isso, jamais faremos essa reforma tão urgente e necessária. Entre outras coisas, vamos investir para informatizar todos os tributos. Ampliar a base de arrecadação e diminuir as alíquotas. Outra grande meta do governo Lula, que vamos completar e que foi realizada, mas iremos aprofundar, é a desoneração do investimento. Porque ele melhora o crescimento econômico.
Dilma chega ao poder dizendo-se coerente com as ideias e os princípios que defendia nos anos 70. Se alguém mudou, portanto, foram os adversários. – Não sucumbimos aos modismos ideológicos. Persistimos em nossas convicções, buscando, a partir delas, construir alternativas concretas e realistas.
Durante a campanha, elegeu alguns ícones para traçar essa linha divisória em relação aos competidores. Um deles foi a “reorganização do Estado”. – Alguns ideólogos chegavam a dizer que quase tudo seria resolvido pelo mercado. O resultado foi desastroso. Aqui, o desastre só não foi maior, como em outros países, porque os brasileiros resistiram a esse desmonte e conseguiram impedir a privatização de Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica ou Furnas.
Dessa forma, para Dilma, o Estado brasileiro precisa ser “reconstituído”. E repetiu essa ideia como um mantra, expressa em termos vagos como em toda evocação de uma filosofia mística:
- Vamos recompor a capacidade do Estado de planejar, gerir e induzir o desenvolvimento do país. Reforçar também a capacidade de planejar do Estado brasileiro, a integração entre o Estado e o setor produtivo, setor privado, entre o governo e a sociedade. Entre o governo federal, entre o governo dos estados e dos municípios.
Preocupada em se distinguir dos adversários, acentuou a retórica estatizante e adotou símbolos como a Petrobras – hoje, principal canal de investimentos do setor público.
Para Dilma, a recente venda de ações da empresa (“capitalização”) demonstraria toda a “diferença” com o PSDB, pois o governo Lula conseguiu atrair investimento privado e ainda aumentou sua participação acionária na estatal:
- Fizemos tudo isso e ainda ampliamos a participação da União na Petrobras. Em 2000, teve uma redução drástica da participação da União na Petrobras. Nós conseguimos uma capitalização de US$ 70 bilhões e valorização da participação da União para 48%. Acho que mostra claramente a diferença entre este governo e o anterior do Fernando Henrique Cardoso, a forma pela qual concebemos a ampliação da Petrobras. Vendemos algum pedacinho da Petrobras para conseguir os US$ 70 bilhões? Não. Pelo contrário, aquilo que eles venderam da Petrobras nós compramos de volta para o Brasil e para o povo brasileiro.
Pela forma como tratou o tema (o governo recomprou parte do capital de uma sociedade mista), pode induzir à conclusão de que seu governo deverá se esforçar para ampliar ao máximo a presença do Estado na economia.
Isso até seria coerente com as propostas defendidas por uma alado PT e pelo PCdoB. Mas carece de sintonia com o clima liberal e pró negócios dominante no PMDB (um dos esteios parlamentares do programa de privatizações na era FH). Esse partido deu a Dilma seu vice-presidente, Michel Temer, um liberal, e deverá ser decisivo para o governo aprovar qualquer coisa no Congresso.
Outros nove partidos que compõem a base parlamentar do governo Lula e ajudaram a eleger Dilma costumam ser assíduos nas votações no Congresso quando se trata da defesa intransigente da liberdade individual, econômica, política, religiosa e intelectual, contra ingerências excessivas e atitudes coercitivas do poder estatal. Por isso, há quem atribua a coletânea de ambiguidades de Dilma sobre o papel do Estado ao vício retórico de uma antiga militante de leituras do marxismo-leninismo nos anos 70.
É possível, porque, nos palanques, o que Dilma mais deixou transparecer foram esboços de ideias na direção de um programa para fortalecer as empresas brasileiras – e no qual ao Estado estaria reservado um papel crescente como fiador do capitalismo.
- Acreditamos no Estado indutor. O que é isso? É o Estado que, no meio da crise, fornece o crédito – resumiu em entrevistas. – Acreditamos na força da iniciativa privada no Brasil. Só não achamos que o Estado, por isso, não tem de estar presente, dando as condições para o investimento. Hoje, temos crédito de longo prazo graças ao BNDES.
Alguns setores empresariais seriam privilegiados. – Vamos adotar um princípio que o presidente Lula adotou logo no início do governo – avisou. – Quando o Brasil voltou a produzir plataformas aqui, deixamos de exportar empregos para Cingapura e Coreia. O principio é muito claro e diz assim: “Tudo que pode ser produzido no Brasil deve ser produzido no Brasil.” Porque somos capazes, com o mesmo preço, qualidade e prazo. É para empregar e gerar renda aqui, como o presidente Lula fez,e não exportar empregos.
Sempre grata ao “grande mestre”, Dilma já chegou a citar Lula 29 vezes em um discurso. Seu maior desafio é construir uma identidade à margem do patrono político. Não apenas para esclarecer o rumo – e as diferenças – de seu governo, mas, sobretudo, dissipar eventuais dúvidas sobre um duplo comando na Presidência da República. Ele (Lula) é o grande mestre que nos ensinou o caminho
Acreditamos no Estado indutor. Acreditamos na força da iniciativa privada. Só não achamos que o Estado, por isso, não tem de esta presente, dando as condições para o investimento. Não sucumbimos aos modismos ideológicos. Persistimos em nossas convicções, buscando construir alternativas concretas e realistas Dilma Rousseff.
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